A POLÊMICA APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 265 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AO ADVOGADO

É louvável que os juízes estejam sempre atentos à realidade social, proferindo decisões que vão moralizar os institutos processuais do ordenamento jurídico quando necessário ao seu aperfeiçoamento. Todavia, a pretexto de cumprir seu papel de executor da legislação ordinária, não podem atropelar garantias e prerrogativas da Advocacia em geral, bem como desconsiderar o sistema constitucional e legal como um todo. Neste sentido, a Lei nº 11.719/2008, dando nova redação ao artigo 265 do CPP, vem sendo utilizada, sem levar em conta princípios constitucionais e institucio nais básicos dos Advogados.

É conhecido de todos os operadores do direito a diferença com que os profissionais se dedicam as causas privadas com muito maior zelo do que os processos que são oriundos da Assistência Judiciária. Todos sabem que os beneficiários da Justiça gratuita na maioria das vezes têm uma defesa formal, e são supridas substancialmente pelos Promotores de Justiça, pelo Poder Judiciário e por poucos profissionais da Advocacia que não diferenciam esses clientes.

Isso porque o convênio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo mantêm valores vergonhosos e reduzidíssimos de pagamento de honorários e que normalmente são desprezados pelos profissionais mais antigos porque os mesmos cansaram de tentar ver uma melhora no sistema. Resta, portanto, apenas os advogados iniciantes na carreira, ainda inexperientes com a profissão e os poucos que ainda acreditam em alguma mudança.

O abandono, descaso e a desistên cia do processo é algo comum dentro do Poder Judiciário e pode se dar por várias razões, mas se transformou num problema cr�?nico que realmente precisa ser moralizado e combatido. Mas a questão é de que forma isso deve ser feito e que princípios devem ser observados e respeitados.

Com todo o respeito a quem pensa o contrário, parece-me que a redação do artigo 265 (caput) do CPP e de seu parágrafo único não tem o alcance objetivo e direto que os Juízes pretendem atribuir para moralizar esse instituto, e com a devida vênia, apenas evidencia, uma tentativa frustrada de sanção do Poder Judiciário aos membros da Advocacia, contrariando manifestamente a Constituição da República de 1988 e o Estatuto do Advogado e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (Lei nº 8.906/1994).

Esclareço que não se está defendendo aqui o profissional desidioso, negligente, e sim, que a fórmula que vem sendo aplicada para atingir esse objetivo, tem prejudic ado os bons profissionais, porque a legislação não apresentou meios de defesa recursais e os juízes têm desrespeitados princípios inerentes do nosso sistema jurídico vigente.

É preciso lembrar que abandono do processo não é apenas ausência de um ato processual ou a falta a alguma audiência. O abandono da causa é bem mais amplo. Todavia essa interpretação vem sendo feita casuisticamente e de forma subjetiva, dando margem a grandes injustiças.

Há sem dúvidas, prejuízos no abandono do processo. Tanto ao jurisdicionado, quanto ao Estado. Isso porque, perde-se tempo, meios e dinheiro com novas nomeações, intimações, sem contar com o desamparo dos acusados na seara penal.

Repita-se, no entanto, que sob esse prisma, não se pode negar que uma decisão judicial deve ser balizada de forma objetiva, por princípios do devido processo legal, norteador de todo o sistema jurídico bem como da ampla defesa e do contraditório.
< br />III – A inconstitucionalidade da multa prevista no artigo 265 do CPPB

No que concerne à multa ao defensor (advogado), que “abandonar” o processo, o legislador da Lei nº 11.719/2008, a título de atualizar os valores da multa prevista no antigo artigo 265 do CPP, estabeleceu um desproporcional e excessivo novo valor ao defensor que “abandonar” o processo, sem justificativa reconhecida pelo juiz.

No entanto, alguns juízes têm entendido que o defensor ausente, sem justificativa, estará sujeito à aplicação de uma pena de multa que variará entre 10 (dez) até o limite de 100 (cem) salários mínimos.

E como a lei não prevê recurso dessa decisão, o advogado fica impossibilitado de realizar a justificativa de sua ausência. Hoje, por exemplo, um advogado que fosse penalizado com a mencionada multa no seu limite máximo, poderia sofrer uma multa de R$ 41.500,00 (quarenta e um mil e quinhentos reais).

Ora, a possibilidade de o juiz aplicar uma multa, pela ausência injustificada do defensor, em valor que pode implicar em sério risco à sua integridade patrimonial, haja vista que tal valor será futuramente executado pelo ente fazendário, cerceará o próprio exercício livre da advocacia, além de violar diretamente as normas decorrentes dos incisos LIII, LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, porquanto não haverá advogado que vá exercer sua defesa técnica com serenidade na esfera criminal, sabedor que, eventualmente, poderá ser penalizado por uma multa, cujo valor colocará em risco a própria integridade de seu patrim�?nio privado, mormente porque o juiz pode, face à ausência do defensor, entender que a justificativa do profissional não procede, ainda que as suas razões tenham ares de plausibilidade.

Primeiro é preciso delinear qual a natureza jurídica da multa prevista no Art. 265 do Código de Processo Penal. Isso porque se ela tem sua just ificativa amparada no prejuízo que o defensor causou ao Estado, deve pautar-se por critérios objetivos e ser realizada em ação aut�?noma onde o profissional tenha o seu direito de defesa resguardado.

De outra sorte, se a natureza jurídica da multa é disciplinar e tem forma de sanção, me parece com todas as vênias, que a inconstitucionalidade é manifesta

Nesse sentido, a multa prevista no artigo 265 do CPP – e mesmo a sua nova redação originada da Lei nº 11.719/2008 – é incompatível com a Constituição de 1988, já que vincula, o exercício da advocacia criminal à possibilidade injurídica do pagamento de multa determinada por quem não é o juiz natural do processo administrativo de ética e disciplina do advogado, criando, assim, uma sujeição disciplinar do advogado a uma ilegítima censura do juiz criminal.

Sobre a não sujeição disciplinar do advogado em relação ao juiz, cabe lembrar o conteúdo normativo do ar tigo 6º, caput, do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), na realidade, um complemento infraconstitucional ao artigo 133 da Carta Política de 1988, in verbis:

“Art. 6º – Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.”

Lembremos, assim, que atualmente o único órgão possível de censurar o advogado é o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, conforme normas decorrentes do artigo 68 e seguintes da lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB). Ora, levando-se em consideração que a aplicação de multa prevista no artigo 265 do CPP exige lógica e antecedentemente um juízo avaliativo sobre ser o suposto “abandono” do defensor (advogado) classificável ou não como desídia, teremos a usurpação do juízo (natural) da conduta ético-comportamental do advogado, produzindo uma superposição indevida de juízos.

A não se visualizar essa superposição de juízos sobre a conduta ética do advogado, repito, qual seria então a natureza jurídica da multa prevista no artigo 265 do CPP? Teria natureza penal? Teria natureza administrativa? Para quem enveredar sobre o significado dessas naturezas jurídicas, temos também os seguintes questionamentos: como aplicar uma pena de multa ao defensor (advogado) sem que o mesmo dispositivo estabeleça uma fase de defesa e instrução probatória para tanto? E mesmo que fosse admissível a aplicação dessa multa pelo juiz criminal (apenas em tese!), dita fase seria feita dentro do mesmo processo penal onde o defensor exerce a defesa de outrem? E ainda dentro dessas perplexidades, qual o recurso cabível da decisão que impõe a multa ao advogado que “abandona” o processo? Sim, qual o recurso? Pois, admitindo que seja necessária uma fase de defesa, há necessidade da previsão do recurso contra a aplicação de multa constante da nova redação do artigo 265 do CPP.

Infelizmente, a nova redação do artigo 265 do CPP não prevê nem a via de defesa do advogado contra a multa e nem o recurso próprio contra aquela an�?mala sanção processual, bem como torna possível a aplicação de multa disciplinar por órgão incompetente para conhecê-la.

Nesse sentido, a não previsão do órgão natural, do contraditório, de ampla defesa, com os recursos e meios a ela inerentes, faz da multa desproporcional prevista no artigo 265 do CPP, segundo a modificação da Lei nº 11.719/2008, violadora das normas decorrentes dos incisos LIII, LIV e LV do artigo 5º da Constituição da República de 1988, e, portanto, inconstitucional sua disposição ordinária.

Tais questionamentos se impõem na medida em que, sob o pálio da normatividade constitucional de 1988, o órgão competente, o contraditóri o e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, são exigíveis tanto nos processos judiciais como nos processos administrativos.

Dessa forma, em uma ou outra natureza, haverá sempre a exigibilidade de preservação da ampla defesa do defensor (advogado), quando lhe aplicada disciplinar, especialmente quando da sua aplicação decorra a privação da sua liberdade ou de seus bens.

E não se diga que a justificação prevista no artigo 265, caput, e seus parágrafos do CPP, supriria ou seria manifestação da ampla defesa na aplicação da mencionada multa, pois verdadeira ampla defesa – ainda que administrativa – exige, quando necessária, instrução probatória, inclusive com oitiva de testemunhas a referendar a justificativa de ausência ao ato processual do defensor (advogado)

Interessante observar que o artigo 264 do CPP, regulador da aplicação de multa ao advogado que não cumpre com a “obrigação” de patrocinar d efesa após a nomeação do juiz, não sofreu atualização alguma dos valores também estabelecidos em mil-réis. Qual seria, então, a razão para a omissão do legislador processual penal da Lei nº 11.719/2008 ter se omitido em se valer do mesmo ímpeto atualizador monetário na nova redação do artigo 265 do CPP?

Antes desta resposta, é preciso salientar que o artigo 264 do CPP tinha como escopo garantir aos acusados, notadamente aqueles hipossuficientes, o direito a um profissional responsável pela defesa técnica. O juiz nomeava o advogado ou o solicitador, e estes eram obrigados de forma autoritária a aceitar o encargo, sob pena de multa, caso se negassem a cumpri-lo. Ou seja, o artigo 264 do CPP, assim como precedente artigo 265, caput, previam a aplicação de multa ao defensor (advogado).

Contudo, voltando ao assunto principal: por que o artigo 264 do CPP não sofreu o mesmo ímpeto atualizador monetário do legislador processual penal da lei 11.719/2008?

Arrisco-me a dizer e a apresentar duas razões para tanto. A primeira é que o artigo 264 do CPP não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988, porquanto, ao se prever que a organização da Defensoria Pública é encargo da União e dos Estados, a responsabilidade do cumprimento da defesa criminal dos hipossuficientes passou a ser dos órgãos criados por aqueles entes federativos.

Não cabe mais o patrocínio obrigatório e irrestrito – decorrente de nomeação judicial – em processos criminais aos advogados, ainda mais sob o crivo de uma autoritária pena de multa. O que vale dizer que não existe Advogado “AD HOC” obrigatório, “pescado” urgentemente dentro das salas da OAB. E se o advogado se negar e não aceitar essa nomeação, a eventual aplicação de multa é inconstitucional.

A segunda seria como que um complemento das normas decorrentes do artigo 134 e seus parágrafos da nossa Lei Fundamental de 1988, constante do inciso XII do artigo 34 (Das Infrações e Sanções Disciplinares) do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), quer dizer, só haverá em tese violação disciplinar do advogado caso este deixe de patrocinar assistência jurídica, quando da absoluta impossibilidade da Defensoria Pública.

Denota-se que o advogado só seria em tese “obrigado” a prestar assistência jurídica (dativa ou ad hoc) quando demonstrado, em decisão judicial fundamentada, que a Defensoria Pública não pode fazê-lo. Ou seja, atualmente o advogado não é mais obrigado a prestar patrocínio criminal obrigatório sem que o juízo apresente a inviabilidade da Defensoria Pública.

Olvidou ainda o legislador da Lei nº 11.719/2008, ao dar nova redação ao artigo 265 do CPP, que já havia, no ordenamento brasileiro, através do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Estatuto da Advocacia e d a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), a previsão de multa disciplinar, bem como de outras sanções ali previstas, ao advogado que houvesse provada contra a sua pessoa alguma forma de violação de ética na condução dos interesses do seu cliente. Só que a aplicação das mencionadas sanções dar-se-á mediante o devido processo administrativo perante o Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil e dosada proporcionalmente segundo a gravidade da violação.

Por fim, até que essa discussão seja decidida pelo PLENO do STF, a melhor maneira de afastar essa decisão que vem sendo tomada reiteradamente, é: solicitar o bom senso do magistrado para evitar que isso se torne vinculante nos cartórios nos “despachos de massa” ou questionar na instância superior através de Mandado de Segurança, pela falta de um instituto recursal para o caso,, requerendo incidentalmente a inconstitucionalidade da lei 11.719/2008, de forma i ndividual e até mesmo de forma coletiva através da OAB/SP.

Essas são as considerações doutrinárias, salvo melhor juízo, que entendo pertinentes no caso das decisões que estão sendo proferidas na Comarca de Peruíbe.

Por: Moises Rosa – OAB SP 167.830
O Autor Professor Universitário, Advogado militante na Comarca de Santos, Peruíbe e Capital